Decisões judiciais que fogem à letra fria da lei para buscar a justiça concreta ganham ainda mais relevância. Um desses casos teve como protagonista o desembargador Alexandre Victor de Carvalho, que, mesmo vencido no julgamento, deixou registrado um voto paradigmático. O processo envolveu a condenação de dois cidadãos por porte ilegal de armas e manutenção de pássaros silvestres em cativeiro. A atuação do desembargador destacou-se por sua fundamentação profunda e por revisitar princípios constitucionais muitas vezes negligenciados.
Este artigo analisa os principais pontos do processo julgado pela Segunda Câmara Mista do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, ressaltando a abordagem crítica e garantista adotada pelo desembargador.
Porte de arma: a inconstitucionalidade do perigo abstrato
No processo em questão, os réus foram condenados por manter armas de fogo em suas residências sem a devida autorização legal, infringindo o artigo 10 da Lei 9.437/97. A acusação se baseou no entendimento tradicional de que o simples porte, ainda que domiciliar, configura crime de perigo abstrato. No entanto, o desembargador Alexandre Victor de Carvalho divergiu dessa visão.

Segundo o desembargador, o Direito Penal deve ser a última ratio, isto é, só deve atuar quando os demais instrumentos jurídicos não forem suficientes para proteger a sociedade. O desembargador destacou que a simples guarda de arma dentro de casa, de forma não ostensiva, sem indícios de uso indevido ou ameaça concreta, não deveria justificar uma condenação criminal. Em sua visão, aplicar uma pena nesse contexto é uma forma de penalização excessiva e inconstitucional.
Pássaros em cativeiro: o limite entre o crime ambiental e a conduta socialmente tolerável
Outro ponto sensível no processo foi a apreensão de aves silvestres nas residências dos réus, fato que ensejou a condenação com base no artigo 29, §1º, inciso III, da Lei 9.605/98. Apesar da boa saúde dos animais e da existência de registros em sociedades de preservação, a sentença de primeiro grau considerou a conduta criminosa. Novamente, Alexandre Victor de Carvalho se posicionou de forma distinta, defendendo que não houve lesão concreta ao meio ambiente ou risco relevante à fauna.
O desembargador ressaltou que a tipificação penal deve observar a finalidade da norma protetiva, que é evitar maus-tratos e garantir a preservação das espécies. No caso específico, ficou claro que os réus não agiam com crueldade nem com intuito de comércio ilegal. Os animais estavam bem cuidados e havia registro em entidades competentes. Para o desembargador, tratar tais cidadãos como criminosos é uma distorção do Direito Penal, que deve ser reservado para condutas realmente danosas ao meio ambiente.
A coragem de julgar com justiça: a postura do desembargador Alexandre Victor de Carvalho
Mesmo vencido no julgamento, o voto do desembargador Alexandre Victor de Carvalho demonstrou uma visão jurídica moderna, comprometida com os direitos fundamentais e com a proporcionalidade da pena. Sua argumentação foi embasada em doutrina nacional e estrangeira, citando autores para reforçar que o Direito Penal não pode punir sem lesão real ao bem jurídico. Essa postura revela uma preocupação com o uso racional do sistema penal, que muitas vezes tem sido utilizado de forma punitivista e simbólica.
A atuação do desembargador também evidencia a importância de juízes que se permitem questionar o status quo e buscar decisões que vão além da rigidez da lei. O desembargador não se limitou a repetir entendimentos majoritários, mas analisou as circunstâncias do caso concreto com rigor técnico. Seu voto revisitou uma reflexão necessária sobre o papel do Judiciário na construção de uma sociedade mais justa e equilibrada, onde o respeito às garantias individuais seja tratado como fundamento da legalidade democrática.
Em resumo, o processo analisado oferece uma oportunidade única para refletir sobre os rumos do Direito Penal brasileiro e sobre a responsabilidade dos magistrados em promover uma justiça verdadeiramente equitativa. A atuação do desembargador Alexandre Victor de Carvalho, ainda que vencida, deixou um legado importante para a jurisprudência nacional, especialmente no que diz respeito à necessidade de lesividade para a configuração de crimes e ao tratamento de condutas de baixo potencial ofensivo.
Autor: Muntt Apiros